terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Menino Que Não Sabe Ser Feliz



Por Regis Mesquita



Semana após semana, uma criança é levada para tomar passe em um centro espírita de Campinas. Ele não gosta de ir lá; ele chora, berra, reclama, diz que quer ir embora, fica infeliz, impaciente, insatisfeito, nervoso, raivoso, agitado, agressivo… É um espetáculo!

Vamos estudar o caso: a criança não gosta de ir tomar passe. Os seus pais, por sua vez, acham que é fundamental para seu desenvolvimento espiritual. Ela teria mais satisfação se confiasse nas escolhas dos seus pais. Apesar de não gostar, é muito melhor esperar algum tempo e receber o passe, satisfeito. Porém, não é esta a escolha do filho.

Observe bem: podemos ficar satisfeitos, mesmo quando fazemos algo que não gostamos.

O segredo da satisfação é a aceitação, a gratidão e a boa vontade. Com estes recursos podemos ficar satisfeitos quando fazemos algo que gostamos ou não.

Grande parte da vida não é escolha, é oportunidade de usufruto. Todas as crianças que vão tomar passe estão ali porque os pais as levaram. Não são escolhas pessoais. Elas, porém, aceitam a oportunidade. Ou seja, o desejo de estar em outro lugar não é o principal.

O desejo é o oposto do usufruto. O desejo é sempre um não estar no presente. O real é descartado ou desqualificado. O real é: estou aqui no centro espírita para tomar passe, para conversar com meus pais, para desenhar, para abraçar, para compartilhar, aprender, receber algo bom, etc. Nada disso é aproveitado. Uma vida cheia de desejo é uma vida de desperdício. Desperdício do que é bom e real.

A criança grita: “não quero, não quero”. Ela quer o que não existe naquele momento. O desejo é assim, reduz as possibilidades humanas. Explico: a pessoa pode ser feliz comendo pizza, macarrão, comida japonesa, churrasco, etc. Porém, se ela desejar fortemente comer peixe, todas as outras possibilidades não lhe satisfarão. Esta redução das possibilidades e potencialidades humanas torna a vida pior e a pessoa insatisfeita.

Aliás, uma das boas funções do desejo, desde que usado de forma sutil e não freqüente, é esta: ele permite às pessoas terem direção. O sujeito acorda e sente vontade de comer peixe. Ele organiza sua vida para comer peixe. Todavia, se não for possível, ele deve aceitar o que é real: “não vou comer peixe, mas minha satisfação é mais importante, ficarei feliz com o que tiver oportunidade de comer”.

Aceitar, ter gratidão e boa vontade: parece simples, mas depende de treino.

A maior parte das pessoas se treina para serem máquinas de desejar. Sempre desejam algo, sempre querem agregar algo ao real. Sim, o desejo é uma agregação. Na imensa maioria das vezes é uma complicação da vida. Se a pessoa tem que fazer 10 coisas, com os desejos passa a ter que fazer 11, 12, 13, 14…

O foco do ser humano não deve ser o desejo. Temos que treinar: devemos frustrar nossos desejos. Esta é a principal forma de viver o que é real e aprender a usufruir o que já existe. Chamamos isto de privação voluntária; não precisa ser radical, mas se privar o bastante para não sermos dirigidos pelos desejos.

Na minha cidade natal as pessoas se perguntavam: “porque a manga do vizinho é sempre melhor”? Era uma época em que as pessoas tinham árvores frutíferas no quintal. O desejo os treinava cotidianamente a desprezar o que tinham e VALORIZAR O QUE NÃO TINHAM. Um horror! Um vizinho “sonhava” com as mangas do outro vizinho, os dois desejando o que não tinham e desprezando o que tinham. Péssima escolha, porque tiveram um péssimo treino mental.

O real é onde estão as potencialidades e oportunidades. Mas, o desejo diz: “quero mais, não quero isto, quero algo melhor, não sou bobo de querer só isto”. O desejo só é eficiente se desqualificar o que é real. A desqualificação começa com o afastamento do que é real. Pode ser através de fantasias, através de preguiça, perda de sentido, perda da motivação, etc. A criança do centro espírita transformou o que ela não gostava em algo insuportável. O dono do pé de manga tornou o que ele gostava em algo com menos satisfação – tenho manga, mas ela não é tão boa.

O desejo é uma ilusão, devemos ter muito cuidado com ilusões. Algumas pessoas dizem: “lutem pelos seus sonhos. Lutem pelos seus desejos”. Não há problema se este sonho/desejo apenas refletir uma meta ou objetivo de vida, ou seja, uma direção. O desejo nos ajuda a ter direção. Um dia temos que escolher se seremos advogados, engenheiros, agricultores, etc. O principal vetor desta decisão deve ser a vocação, mas o desejo é uma ajuda. Sendo pequeno, o desejo não conseguirá agregar trabalho, complicação e insatisfação na vida humana, o que, se acontecesse, certamente dificultaria a percepção da própria vocação.

Resumindo: o desejo agrega trabalho para o ser humano. O desejo nunca está no presente, no que já existe e pode-se usufruir. Ele leva ao desprezo do que é real. Ao ser humano é prioritário intensificar a vida através da vivência do que existe no aqui e agora. É neste momento que estão as oportunidades e acontecem as experiências que podem produzir o amadurecimento e a ampliação da consciência. Ao intensificar as vivências, a vida se expande a as pessoas podem conquistar muito mais objetivos do que se tivessem se apegado a desejos. O desejo é uma restrição da vida humana. O desejo, para existir, tem que produzir negatividades e desfocar as pessoas dos objetivos centrais da vida. Devemos treinar para aprender a viver sem sermos conduzidos pelos desejos, neste treino a privação voluntária ocupa um lugar importante.

http://caminhonobre.com.br/2011/10/06/desejos-criando-sofrimentos/

Regis Mesquita
Campinas - SP http://www.tvphipnose.com.br/

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