quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Lula e o SUS - vamos pôr as coisas no devido lugar

O texto ficou um tantinho longo.

Leiam até o fim.

Acho que vale a pena.

Assistam a este vídeo.

Volto em seguida.

http://www.youtube.com/watch?v=rdYsYWluXac&feature=player_embedded

Voltei

Não vou tratar do vídeo agora.

Voltarei a ele mais tarde.

Preciso fazer antes algumas considerações.

O cidadão Luiz Inácio Lula da Silva tem condições de ter o melhor plano de saúde que o dinheiro pode comprar.

Não está, entendo, moralmente obrigado a se tratar no SUS.

Esse é apenas um dos motivos.

Há outros e já os expus aqui.

Tentar impedir, no entanto, que as pessoas lhe façam essa cobrança, tachando-as de "agressivas" por isso, e se manifestem segundo a linguagem que o próprio Lula sempre empregou em sua militância, aí, meus caros, estamos diante de uma patrulha asquerosa, antidemocrática.

Os ai-ai-ais e ui-ui-uis se espalham por todo lugar.

A rede petralha e os ex-jornalistas a soldo fazem o de sempre: desqualificam quem não é da turma.

O PT deliberou, não faz tempo, que criaria grupos para patrulhar a Internet.

Pelo visto, já estão em ação.

Lamentável é que ecos em favor de uma censura informal, de matriz supostamente moral, tenham chegado também à grande imprensa — aquela que os petistas costumam acusar de "golpista".

Encerro este parágrafo com indagações, que serão retomadas a partir do próximo.

Que político brasileiro dividiu o país em dois grupos: "nós" e "eles"?

Que político brasileiro dividiu o país entre o povo e a Dona Zelite?

Que político brasileiro expropriou dos adversários a sua história, o seu passado e as suas conquistas para se pôr como o marco inaugural de uma civilização?

Seu nome é Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi ele quem estabeleceu que os que são seus aliados ou a ele se subordinam politicamente merecem a chancela de "povo" — e os adversários seriam a execrável Dona Zelite, inimiga das massas.

No vídeo gravado ontem, sobre o qual escrevi, em que mistura miseravelmente a sua doença com o proselitismo político, vê-se, uma vez mais, a desqualificação dos opositores.

Só há um jeito de torcer pelo Brasil: apoiar Dilma.

Ora, o que aquele discurso tem a ver com o seu câncer?

O pior é que ele não é neófito nessa prática.

Já chego lá.

É Lula, pois, quem faz uma aposta permanente na divisão do Brasil, REIVINDICANDO PERMANENTEMENTE PARA SI A CONDIÇÃO DE HOMEM E DE REPRESENTANTE DO POVO — ELITES SÃO SEMPRE OS OUTROS.

E o que é que milhares de pessoas estão lembrando de modo claro — e isso está sendo chamado de "ataque" por alguns babacas.

Ora, povo, meu caro Lula, se trata no SUS, não no Sírio-Libanês!

Alguém pode me dizer o que há de mentira nisso?

A pergunta que segue agora não é dirigida aos que são pagos para me xingar.

Esses estão trabalhando, ainda que um trabalhinho sujo.

Pergunto aos idiotas que me xingam de graça:

SUGERIR O SUS É UMA OFENSA PORQUE AQUELE É LUGAR DE POVO, É ISSO?

Qual é, afinal, o lugar de Lula no discurso?

Então os leitores/eleitores estão proibidos de confrontá-lo com as suas próprias palavras simplesmente porque ele é quem é?

Lula e Obama

Os candidatos a censores da opinião alheia hão de me perdoar — e, se não o fizeram, não dou a mínima —, mas é absolutamente legítimo, ainda que eu não concorde, que um cidadão brasileiro lhe sugira que recorra ao SUS porque ele próprio declarou o sistema "perto da perfeição".

Em novembro de 2009, ao abrir o 9º Congresso Brasileiro de Saúde Pública, em Olinda (PE), anunciou que, quando falasse com o presidente dos EUA, Barack Obama, iria lhe dar um conselho:

"Obama, faça um SUS. Custa mais barato, é de qualidade e é universal."

Fazer o quê?

Lula é assim mesmo, não?

Hiperbólico quando se trata de exaltar qualidades que acredita ter.

E implacável com eventuais conquistas de adversários, das quais faz tabula rasa.

O molde é sempre o mesmo: "nós X eles", "povo X elite".

Será que os que agora, de modo um tanto irônico, sugerem que procure o SUS estão mesmo lhe fazendo um "ataque"?

Há, a propósito, esta dimensão que está sendo ignorada: trata-se de... ironia!

Nada além!

Todos sabem que ele não aceitará a sugestão.

Agora o vídeo e as promessas criminosas das UPAs

Então vamos voltar ao vídeo que abre o post.

Diz Lula:

"Eu tava visitando a UPA, e eu tava dizendo que ela tá tão bem organizada, ela tá tão bem estruturada, que dá até vontade de a gente ficar doente para ser atendido aqui".

Essa fala está correndo na Internet.

Em uma reportagem, a Folha de ontem a tomou como exemplo dos "ataques" que Lula vem sofrendo.

Ataque?

Por quê?

Cumpre lembrar as circunstâncias.

O então presidente inaugurava, em Recife, no dia 27 de janeiro de 2010, uma das poucas Unidades de Pronto Atendimento que fez em seu governo e falou aquela batatada.

Ocorre que, logo depois, passou mal, teve uma crise hipertensiva e foi internado no Hospital Português, considerado o melhor de Recife e um dos melhores do Brasil.

Sim, este escriba que lhes fala escreveu a respeito.

O post está aqui.

Vamos ver se Tio Rei é coerente.

Permitam-me transcrever um trechinho em azul:

Tenho horror ao populismo. Digo com todas as letras: não acho que um presidente da República ou governador do Estado devam se tratar em unidades públicas de emergência, que não podem mesmo contar com todos os recursos que a medicina pode oferecer. Não porque eles "não sejam homens comuns" (como disse Lula a respeito de Sarney), mas porque uma doença grave de um governante ou mesmo a sua morte podem ter repercussão negativa na vida de milhões de pessoas.Assim, é correto que o mandatário tenha à disposição o que há de melhor no setor. E é uma tarefa sua, indeclinável, fazer o possível para elevar as condições de atendimento na saúde pública - QUE VIVE UM CAOS NO BRASIL. Ponto parágrafo. É preciso parar de tratar o povo como idiota ou como tutelado. A UPA, se e quando funcionar bem, será um benefício para os pobres. E Lula nunca botará os pés ali como paciente."Ah, Reinaldo, ele estava brincando..." É? Sem essa! Nos palanques, Lula divide o país entre "eles" (as elites) e "nós" (o povo). Chama "elite" a seus inimigos, ainda que mais pobres e menos poderosos do que ele próprio; chama "povo" a seus amigos, ainda que sejam alguns potentados da economia - muitos mamando nos subsídios e desonerações fiscais. Ele pode perfeitamente bem inaugurar uma unidade popular de saúde sem o apelo barato de que gostaria de ser atendido ali. Porque ele pertence à categoria dos que jamais serão atendidos ali. Quem recorre a essa linguagem não fala com o povo, mas com a platéia.

Volto a hoje

E então?

O que lhe parece?

Como se vê, não mudei de idéia.

Indecente, se querem saber, foi o que se fez com as UPAs no país.

Lula prometeu construir 500 em seu governo.

Foram entregues apenas 91.

Além daquelas 500, a então candidata Dilma Rousseff prometeu outras 500 - logo, teriam de ser mil até 2014.

Até setembro, a presidente havia inaugurado... UMA!!!

Isso, sim, é feio; isso, sim, é violento; isso, sim, é detestável.

Os censores estão querendo impedir que a população cobre que os homens públicos cumpram as suas promesas.

O Vídeo em que Lula fala de sua doença

Fiz uma análise não mais do que técnica do vídeo em que Lula fala de sua doença.

E apontei a clara exploração política do episódio.

Diz ele:

"Não foi a primeira e não será a última batalha que eu vou enfrentar".

Observei:

"Que se saiba, Lula nunca enfrentou uma séria 'batalha' de saúde. Esta, de fato, é a primeira. As outras todas foram políticas. Logo, ele está falando sobre política, certo?"

Um leitor, certamente um lulista, resolveu me passar um pito:

"Lula nunca enfrentou um problema sério de saúde em sua vida, Azevedo? E a morte de sua primeira mulher, por acaso foi um problema político?"

Muito bem, Diorge Alceno Konrad (é o nome do missivista).

Lembro-me que, na campanha eleitoral de 2002, Duda Mendonça botou Lula diante da câmera e deixou que ele falasse da mulher morta no parto (Maria de Lurdes), junto com bebê.

Uma tragédia na vida de qualquer um, na dele também, suponho.

Lula chorou muito.

Eu fiquei constrangidíssimo, sentindo um baita desconforto, porque me pareceu que ele não deveria usar aquele caso numa campanha eleitoral, para ganhar voto.

O filme nunca apareceu na Internet.

Deve estar em algum lugar.

O então candidato dizia como havia ficado arrasado, destacando seu enorme sofrimento nos anos subseqüentes.

Durante muito tempo, teria vivido uma vida reclusa e solitária.

Pois é.

Eu, que tinha lido uma entrevista que ele concedera à revista Playboy em 1979 e que tenho o mau hábito de ter boa memória, lembrava-me de abordagem um pouco diferente.

À época, eu tinha só 18 anos, era comunista de trincar catedrais e fiquei horrorizado com o que li.

Fui consultar os meus guardados (era pré-Internet...), e o Lula que se debulhava diante de Duda Mendonça em 2002 dissera outra coisa quando apenas sindicalista, 23 anos antes:

"Eu gostava muito da Maria de Lurdes. Vivi com ela só dois anos, de 1969 a 1971. Ela morreu de parto, e eu fiquei muito chocado. Perdi a vontade de tudo. Fiquei UNS SEIS MESES bem fodido na vida. Então percebi que estava vivo, não estava morto, não, porra! Aí comecei a cair na gandaia. Meu Deus do céu! Antes de conhecer a Marisa, FORAM TRÊS ANOS DE GANDAIA. Eu queria sair com mulher de segunda a domingo."

Começo a encerrar

Não!

Lula não tem, necessariamente, de se tratar no SUS pelos motivos elencados antes e agora.

Mas pode e deve ser cobrado pelas palavras que disse, pelos discursos que fez e pelas obras que não fez.

Não há rigorosamente nada de errado com quem o confronta com suas próprias promessas.

Ao contrário.

É saudável que a população tenha memória.

Não se trata de um "ataque", como quer parte da imprensa, ou de "recalque", como afirmou FHC.

Quanto ao vídeo que gravou ontem, em que um drama pessoal é usado como alavanca política, a campanha eleitoral de 2002 evidencia não ser esta a primeira vez.

Eu não vou pedir desculpas a ninguém por tratar Lula como um homem público racional, dono de seu nariz, que atua segundo o mais rigoroso cálculo político.

No fim das contas, acho que sou mais respeitoso com ele do que esse bando de idiotas que o toma como um ser inimputável, uma força da natureza que diz supostas maravilhas em razão de sua intuição, como se fosse uma espécie de ogro bonzinho, um Shrek barbudo.

Trato Lula, vejam que ousadia!, como ser humano e como político.

Um dos mais hábeis do país, gostem ou não.

Quero que ele sare, que é a minha torcida por todos os enfermos, mesmo aqueles dos quais não gosto.

Mas não vou parar de pensar por isso nem vou ignorar a história.

É inútil ficar me xingando.

Tentem é desmontar os argumentos.

Aliás, não parei de pensar nem quando os petralhas torciam para que eu morresse.

Torcida não mata ninguém, não!

O que mata é falta de UPA, o que mata é falta de equipamento para radioterapia, o que mata é falta de remédio para quimioterapia, o que mata é falta de médico para cuidar dos tumores, o que mata é falta de vagas em hospitais, o que mata é falta de cirurgiões.

Querem saber?

A falta de vergonha na cara mata ainda mais do que todas essas outras faltas.

Por Reinaldo Azevedo na Veja Online.

EU, O SUS, A IRONIA E O MAU GOSTO

by Nina Crintzs

Há seis anos atrás eu tive uma dor no olho. Só que a dor no olho era, na verdade, no nervo ótico, que faz parte do sistema nervoso. O meu nervo ótico estava inflamado, e era uma inflamação característica de um processo desmielinizante. Mais tarde eu descobri que a mielina é uma camada de gordura que envolve as células nervosas e que é responsável por passar os estímulos elétricos de uma célula para a outra. Eu descobri também que esta inflamação era causada pelo meu próprio sistema imunológico que, inexplicavelmente, passou a identificar a mielina como um corpo estranho e começou a atacá-la. Em poucas palavras: eu descobri, em detalhes, como se dá uma doença-auto imune no sistema nervoso central. Esta, específica, chama-se Esclerose Múltipla. É o que eu tenho. Há seis anos.

Os médicos sabem tudo sobre o coração e quase nada sobre o cérebro – na minha humilde opinião. Ninguém sabe dizer porque a Esclerose Múltipla se manifesta. Não é uma doença genética. Não tem a ver com estilo de vida, hábitos, vícios. Sabe-se, por mera observação estatística, que mulheres jovens e caucasianas estão mais propensas a desenvolver a doença. Eu tinha 26 anos. Right on target.

Mil médicos diferentes passaram pela minha vida desde então. Uma via crucis de perguntas sem respostas. O plano de saúde, caro, pago religiosamente desde sempre, não cobria os especialistas mais especialistas que os outros. Fui em todos – TODOS – os neurologistas famosos – sim, porque tem disso, médico famoso – e, um por um, eles viam meus exames, confirmavam o diagnóstico, discutiam os mesmos tratamentos e confirmavam que cura, não tem. Minha mãe é uma heroína – mãos dadas comigo o tempo todo, segurando para não chorar. Ela mesma mais destruída do que eu. E os médicos famosos viam os resultados das ressonâncias magnéticas feitas com prata contra seus quadros de luz – mas não olhavam para mim. Alguns dos exames são medievais: agulhas espetadas pelo corpo, eletrodos no córtex cerebral, “estímulos” elétricos para ver se a partes do corpo respondem. Partes do corpo. Pastas e mais pastas sobre mesas com tampos de vidro.

Colunas, crânio, córneas. Nos meus olhos, mesmo, ninguém olhava.

O diagnóstico de uma doença grave e incurável é um abismo no qual você é empurrado sem aviso. E sem pára-quedas. E se você ta esperando um “mas” aqui, sinto lhe informar, não tem. Não no meu caso. Não teve revelação divina. Não teve fé súbita em alguma coisa maior. Não teve uma compreensão mais apurada das dores do mundo. O que dá, assim, de cara, é raiva. Porque a vida já caminha na beirada do insuportável sem essa foice tão perto do pescoço. Porque já é suficientemente difícil estar vivo sem esta sentença se morte lenta e degradante. Dá vontade de acreditar em Deus, sim, mas só se for para encher Ele de porrada.

O problema é que uma raiva desse tamanho cansa, e o tempo passa. A minha doença não me define, porque eu não deixo. Ela gostaria muitíssimo de fazê-lo, mas eu não deixo. Fiz um combinado comigo mesma: essa merda vai ter 30% da atenção que ela demanda. Não mais do que isso. E segue o baile. Mas segue diferente, confesso. Segue com menos energia e mais remédios. Segue com dias bons e dias ruins – e inescapáveis internações hospitalares.

A neurologista que me acompanha foi escolhida a dedo: ela tem exatamente a minha idade, olha nos meus olhos durante as minhas consultas, só ri das minhas piadas boas e já me respondeu “eu não sei” mais de uma vez. Eu acho genial um médico que diz “eu não sei, vou pesquisar”. Eu não troco a minha neurologista por figurão nenhum.
O meu tratamento custaria algo em torno de R$12.000,00 por mês. Isso mesmo: 12 mil reais. “Custaria” porque eu recebo os remédios pelo SUS. Sabe o SUS?! O Sistema Único de Saúde? Aquele lugar nefasto para onde as pessoas econômica e socialmente privilegiadas estão fazendo piada e mandando o ex-presidente Lula ir se tratar do recém descoberto câncer? Pois é, o Brasil é o único país do mundo que distribui gratuitamente o tratamento que eu faço para Esclerose Múltipla. Atenção: o ÚNICO. Se isso implica em uma carga tributária pesada, eu pago o imposto. Eu e as outras 30.000 pessoas que tem o mesmo problema que eu. É pouca gente? Não vale a pena? Todos os remédios para doenças incuráveis no Brasil são distribuídos pelo SUS. E não, corrupção não é exclusividade do Brasil.

O maior especialista em Esclerose Múltipla do Brasil atende no HC, que é do SUS, num ambulatório especial para a doença. De graça, ou melhor, pago pelos impostos que a gente reclama em pagar. Uma vez a cada seis meses, eu me consulto com ele. É no HC que eu pego minhas receitas – para o tratamento propriamente dito e para os remédios que uso para lidar com os efeitos colaterais desse tratamento, que também me são entregues pelo SUS. O que me custaria fácil uns outros R$2.000,00.

Eu acredito em poucas coisas nessa vida. Tenho certeza de que o mundo não é justo, mas é irônico. E também sei que só o humor salva. Mas a única pessoa que pode fazer piada com a minha desgraça sou eu – e faço com regularidade. Afinal, uma doença auto-imune é o cúmulo da auto-sabotagem.

Mas attention shoppers: fazer piada com a tragédia alheia não é humor, é mau gosto. É, talvez, falha de caráter. E falar do que não se conhece é coisa de gente burra. Se você nunca pisou no SUS – se a TV Globo é a referência mais próxima que você tem da saúde pública nacional, talvez esse não seja exatamente o melhor assunto para o seu, digamos, “humor”.

Quem me conhece sabe que eu não voto – não voto nem justifico. Pago lá minha multa de três reais e tals depois de cada eleição porque me nego a ser obrigada a votar. O sistema público de saúde está longe de ser o ideal. E eu adoraria não saber tanto dele quanto sei. O mundo, meus amigos, é mesmo uma merda. Mas nós estamos todos juntos nele, não tem jeito. E é bom lembrar: a ironia é uma certeza. Não comemora a desgraça do amiguinho, não.